Catarina Roquette Durão
Professora Auxiliar NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas | Universidade Nova de Lisboa
Nutricionista 0289N, especialista em Nutrição Comunitária e Saúde Pública
Unidade de Cirurgia da Obesidade e Metabólica | Hospital CUF Tejo
Unidade Universitária Lifestyle Medicine | Hospital CUF Tejo
Em 2020, em todo o Globo, o excesso de peso (pré-obesidade e obesidade), afetava mais de 2,6 mil milhões de pessoas, com uma prevalência de obesidade de 14% no sexo masculino e de 18% no sexo feminino. Estes níveis elevados na prevalência correspondiam a um pesado impacto económico estimado em 1,8 triliões de euros [1].
Em Portugal, segundo o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF) 2015-2016 [2], 57% da população portuguesa (quase 6 em cada 10 pessoas) tem excesso de peso e 22,3% sofre de obesidade. O custo direto desta situação foi estimado em 1,2 mil milhões de euros, 6% da despesa nacional em saúde [3].
A obesidade é uma doença crónica de enorme complexidade, com múltiplas causas e fenótipos clínicos distintos, na qual uma acumulação excessiva de tecido adiposo (massa gorda/adiposidade) atinge níveis prejudiciais à saúde [4]. Está identificada como doença no Código Internacional de Classificação de Doença [5] e, em 2004, Portugal foi o primeiro país a reconhecer oficialmente a obesidade como uma doença crónica [6].
O Índice de Massa Corporal (IMC) [calculado como peso (em kg) dividido pela estatura (em m2)] é o indicador mais usado para definir obesidade que, em adultos, corresponde a um IMC igual ou superior a 30,0 kg/m2 [4]. Contudo, o IMC como único critério diagnóstico não reflete de forma suficientemente abrangente a natureza complexa da doença, sendo importante considerar as complicações associadas à obesidade, já que é também fator de risco para inúmeras outras doenças (Diabetes Mellitus Tipo 2, Hipertensão, Doença Cardiovascular e Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono, entre outras), afetando a saúde física e mental.
A conceptualização da obesidade como uma doença crónica baseada na adiposidade (Adiposity Based Chronic Disease, ABCD) [7] permite maior robustez diagnóstica. As complicações secundárias à obesidade são maioritariamente determinadas por dois processos patológicos, relacionados com a quantidade e distribuição do tecido adiposo e com a resposta endócrina e imunológica de um tecido adiposo doente. Estes processos patológicos desenvolvem-se em contextos físicos e culturais distintos levando a uma classificação em estadios específicos [7].
No conceito ABCD, os diagnósticos não assentam exclusivamente em medidas antropométricas (como peso e estatura ou perímetro da cintura), incluindo outros critérios tais como biologia molecular, presença e gravidade de comorbilidades, avaliando o risco de complicações e a sua gravidade em: i) Estadio 1, sem complicações baseadas na adiposidade identificáveis; ii) Estadio 2, uma ou mais complicações leves a moderadas; e iii) Estadio 3, uma ou mais complicações graves [7].
Para além das consequências para a saúde física, a obesidade está associada a um estigma extremamente espalhado em inúmeras camadas da sociedade, bem como a um viés de peso internalizado, associados a determinantes biopsicossociais multifatoriais entrelaçados de forma extremamente complexa que perpetuam a doença.
Já publicado há mais de 15 anos, mas mantendo toda a relevância na atualidade, um relatório do Reino Unido [8] mostra claramente a complexidade dos determinantes biopsicossociais da obesidade, através de sistemas de mapeamento para compreender a complexidade social e biológica desta doença. Este relatório elaborou um mapa magistral, extremamente intrincado e abrangente, dos inúmeros fatores que podem propiciar ao desenvolvimento da obesidade. No centro do mapa encontra-se o binómio “energia ingerida/dispêndio energético” e o sistema biológico humano que tenta equilibrar a homeostase do organismo num contexto muito complexo de uma sociedade na qual a evolução tecnológica (e digital) ultrapassou a evolução do ser humano. O relatório conclui que muitos têm maior propensão biológica subjacente para acumular energia, desenvolvendo e mantendo excesso de adiposidade, por causas relacionadas com risco genético, com fatores precoces na gestação e infância ou por diferentes sensibilidades do sistema de controlo do apetite em fases precoces do ciclo de vida – dando origem ao termo “obesidades familiares”. Contudo, na maioria dos casos, estes fatores não explicam o rápido aumento da prevalência de obesidade. Alterações no ambiente externo – ou contexto socio-ecológico em que vivemos – têm sido apontadas como causas major para o aumento de obesidade em várias populações [8].
O relatório afirma ainda algo muito importante, a elevada prevalência de obesidade não se deve uma falta de “força de vontade” populacional ou a que as populações tenham passado a ser “mais glutonas” do que gerações anteriores. Também não se deve a uma alteração substancialmente da biologia ou genética das populações em relação aos seus antepassados. O que mudou profundamente foi o contexto em que vivemos, nomeadamente a sociedade, os padrões de trabalho, os meios de transporte e a produção/comercialização de alimentos que propiciam a tendência biológica basal do ser humano para armazenar tecido adiposo [8] .
É crucial não ter uma visão simplista de uma doença extremamente complexa como a obesidade que constitui problema major de saúde pública que necessita de estratégias de prevenção e de tratamento que façam justiça à gravidade e complexidade da doença. É essencial não estereotipar, não estigmatizar e não culpar quem sofre de obesidade. O estigma espalhado na sociedade cai frequentemente em estereótipos e descrições demasiado simplistas como representar a obesidade como o resultado do binómio “comer demais” e “mexer de menos”. Apesar de o desequilíbrio entre aporte e gasto de energia estar no centro do problema, os fatores físicos e psicológicos inerentes à biologia humana fazem com que muitos estejam predispostos para a adiposidade excessiva. Contudo, a complexidade dos fatores ambientais, sociais e políticos que – a montante – influenciam os fatores físicos e psicológicos é extremamente complexa e não pode ser ignorada.
É essencial que a pessoa com obesidade interiorize que tem uma doença crónica, passível de tratamento com inúmeras possibilidades terapêuticas, nas quais alterações do estilo de vida (alimentação, atividade, padrões de sono, entre outros aspetos) são cruciais, podendo ser aliadas a tratamentos farmacológicos e/ou cirúrgicos. Em todas as opões terapêuticas, incluindo na cirúrgica, o sucesso a longo-prazo depende da adesão do doente a novos estilos de vida com alteração de hábitos alimentares, de atividade física, de sono e de saúde psicológica, entre outros.
Absolutamente necessário é prevenir e tratar esta doença crónica, fornecendo à comunidade serviços de saúde integrados, com equipas especializadas no tratamento da obesidade, que sejam capazes de implementar tratamento multidisciplinar nas várias opções atualmente existentes.
Bibliografia
- World Obesity Federation, World Obesity Atlas 2023. Available at: https://data.worldobesity.org/publications/?cat=19.
- Lopes C et al. Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física IAN-AF 2015-2016. U. Porto 2017.
- Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE), Evigrade-IQVIA e Sociedade Portuguesa. Estudo da Obesidade (SPEO). Estudo “O Custo e a Carga do Excesso de Peso e Obesidade em Portugal”. Outubro de 2021.
- World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic [Internet]. Report of a WHO Consultation (WHO Technical Report Series 894). 2000 [cited 2019 Jan 6]. Available from: https://www.who.int/nutrition/publications/obesity/WHO_TRS_894/en/
- ICD-11 for Mortality and Morbidity Statistics (Version : 01/2023). Available at: https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http%3A%2F%2Fid.who.int%2Ficd%2Fentity%2F149403041.
- Should we officially recognise obesity as a disease? (Editorial). Lancet Diabetes Endocrinol. 2017;5(7):483.
- Mechanick JI, Hurley DL GW. Adiposity-based chronic disease as a new diagnostic term: The American Association of Clinical Endocronologists and American College of Endocrinology Position Statement. Endocr Pr. 2017;23(3):372–8.
- Government Office for Science. Tackling Obesities: Future Choices – Project Report (2nd Edition), 2007.