Luís Monteiro, MD, PhD
Médico de Medicina Geral e Familiar
Investigador e Professor Universitário
Qual é a relação entre medicina e arte? Serão universos totalmente distintos? Poderá uma obra de arte ter um efeito “terapêutico”?
Antes de respondermos a esta e outras indagações retomemos ao início.
Comecemos pela raiz do nosso oficio. Muito do que praticamos no consultório de Medicina Geral e Familiar – ainda que alicerçado em ciência – tem também uma boa dose de arte.
É certo que a medicina abandonou há muito o pensamento mágico: norteamos a nossa prática na melhor prova científica disponível.
Mas a relação que tecemos com os doentes e familiares depende mais das competências sociais relacionais do que da nossa memória da última norma de orientação.
Há portanto muita “arte” no encontro entre o MGF e o utente. Mas não só.
É que a consulta é uma janela para a sociedade contemporânea. Trata-se de uma comunidade cada vez mais caracterizada pela crescente pressão laboral. Muitos relatam receio de desligar o ecrã esfumando a distinção entre casa e o trabalho. Outros partilham a fragilidade das relações sociais com a sensação de não pertenceram ao local onde pernoitam. É no fundo a “modernidade líquida”, como bem definiu o sociólogo Bauman.
Como nenhum de nós é uma ilha seria ingénuo acreditar que este caldo sociocultural não tem impacto na saúde mental dos nossos doentes.
Alguns precisam de mudar os trajectos de vida, o que constitui uma opção muitas vezes reservada para os mais abastados.
Outros, com psicopatologia, necessitam de terapêutica farmacológica e psicoterapia adequada.
Mas muitos beneficiariam duma “receita” diferente: uma prescrição para visitarem o museu mais próximo, por exemplo.
É uma experiência que alguns colegas canadianos já integram na sua prática clínica (https://www.mbam.qc.ca/en/news/museum-prescriptions/).
Não se trata, obviamente, de nenhuma panaceia.
É uma iniciativa que pretende quebrar o pêndulo casa-trabalho e romper com o alarmismo das televisões e a agressividade das redes sociais.
Precisamos de – como magistralmente descreveu Stephen Legari, do Museu Nacional de Belas-Artes de Montreal—ocupar um “terceiro espaço”.
Um local diferente e inclusivo em que podemos contactar presencialmente com o belo e com o que nos comove. Os museus são hoje espaços vivos com oportunidades para conhecermos outras pessoas e até para nos expressarmos artisticamente.
Os mais críticos afirmarão que há o risco de cairmos na armadilha da pseudoterapias. Outros defenderão que é uma medida snobista tendo em conta a realidade económica actual.
Percebo a atitude céptica. De facto, a mais elementar prudência exclui uma solução milagrosa que sirva para tudo e para todos.
Quem sabe se os benefícios de uma receita com arte não se aplicam também ao prescritor?
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